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As batidas do coração do torcedor que ficou de fora eram ritmadas pelo barulho da torcida. Lampejos menos estridentes significava a combinação de resultados desejada para a ascensão do ABC. Mas eis que uma multidão solta o grito preso e o torcedor fanático e liso do lado de fora vibra como uma criança. Liso porque os ingressos estavam sendo vendidos a R$ 2. O cambista “Ventola” pediu pra escrever: “Bote aí: cambista tão tudo com cara de choro por causa do prejuízo''. “Japonês”, cambista experiente, disse ter perdido R$ 2 mil.
Aos 45 minutos do segundo tempo ninguém arredou pé do Estádio. Um único torcedor apressado e com rádio no ouvido, disse que o juiz daria pelo menos mais cinco minutos de acréscimo. É o sofrimento dos cambistas espalhado em milhares. Mais um grito em uníssono e os fogos de artifício anunciavam o ABC na Segundona do Brasileirão. Ainda demorou para a torcida largar o Estádio e ganhar as ruas. Pelo menos uns dez minutos. Pareciam esperar a bandinha de frevo, do carnaval e a marchinha: “ABC clube do povo, campeão das multidões...''
E se atrás da bandinha só não vem quem já morreu, lá estava Marinho Chagas e seu copo de uísque. “Tudo que vem com sacrifício é mais gostoso. O juiz prejudicou o ABC. Se houvesse honestidade o número cinco do Bragantino seria expulso no primeiro tempo. Quando o juiz soube dos outros resultados da rodada, começou a dar cartão amarelo com muito atraso. Ele segurou o jogo. Mas está de parabéns Ferdinando, os jogadores e a torcida que é uma religião e merece, após seis anos, estarmos na segunda divisão'', disse Marinho. Se tinha recado para o americano e companheiro de Redinha Velha, Véscio, Marinho disse: “Véscio ‚ meu cumpade, mas diga que o meu subiu e o dele desceu”.
E se os torcedores estavam estéricos, os ambulantes com sorriso escancarado e a lojinha do ABC lotada, alguém estava contrariado. Preso no trânsito que tomou a Rota do Sol, o engenheiro Marcos Silvino foi pego de surpresa: “Nem gosto muito de futebol e se tenho mais simpatia por um time é pelo América. Devia ter imaginado a confusão''. Muitos motoristas, quando viam o ciclone preto e branco e o trio elétrico em sua direção, aderiam ao retorno. E se mais adianta o trânsito acalmava, um automóvel com portas abertas, com chassi arrastando no asfalto e lotado de torcedores e bandeiras passava: “Becê, becê”.
O ABC espalhou-se em bandeiras e buzinas pelas ruas, paradas de ônibus, janelas de casas e apartamentos e nos ouvidos de muita gente. Quando a festa terminar, ainda se ouvirá o eco: “Becê. Becê”. Lá do alto, a lua, imponente, assistia a tudo e refletia múltiplas luzes brancas na noite da cidade. E qualquer coincidência com as cores que pintaram a paisagem de Natal nesta quarta à noite não é mera coincidência.
Foto: Junir Santos
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